Em Fevereiro de 2015, documentos secretos revelaram que o gigante banco internacional HSBC, com sede em Londres, lucrou milhões de dólares ao fazer negócios com traficantes de armas, que as forneceram para crianças-soldado em África, ditadores do Terceiro Mundo, traficantes de diamantes de sangue e outros bandidos internacionais. Hoje, Angola vai continuar a ser um dos países que mais gastará em África em Defesa nos próximos anos, estando a Rússia e a China a perder influência a favor dos EUA.
Os arquivos então revelados, com base em investigações feitas na filial suíça de “private banking” do HSBC, diziam respeito a contas que acumularam valores superiores a 100 mil milhões de dólares.
Os documentos, revelados pelo jornal francês Le Monde, denunciavam relações do banco com clientes envolvidos em esquemas ilegais, especialmente em ocultar centenas de milhões de dólares das autoridades fiscais, onde também se encontraram jogadores de futebol famosos, jogadores de ténis, ciclistas, estrelas de rock, actores de Hollywood, membros da realeza, políticos, executivos de empresas e membros de famílias tradicionalmente ricas.
Estas revelações deram uma luz sobre a relação do crime internacional organizado e a finança, por outro lado aumentaram o conhecimento sobre o comportamento potencialmente ilegal e antiético do HSBC, um dos maiores bancos do mundo.
Os registos das contas revelados demonstraram que alguns clientes fazem viagens até Genebra (Suíça) para levantar grandes quantidades de dinheiro, às vezes em notas usadas. Os arquivos também documentaram a existência de enormes somas de dinheiro detidas por traficantes de diamantes que são conhecidos por operarem em zonas de guerra e venderam pedras preciosas para financiar conflitos armados, que causam um número de mortes incalculável.
O HSBC, que possuía escritórios em 74 países e territórios, distribuídos por seis continentes, num primeiro momento insistiu com os jornalistas para destruírem os documentos que obtiveram.
Depois de ter sido informado de toda a extensão das conclusões da investigação jornalística, o HSBC deu uma resposta final, que foi mais conciliatória:
“Nós reconhecemos que a cultura de compliance – conjunto de disciplinas para fazer cumprir normas legais e regulamentares – e os padrões de diligências na Swiss private banking do HSBC, bem como na indústria em geral, foram significativamente menores do que são hoje”.
Na declaração escrita, o banco afirmou que “deu passos significativos, ao longo dos últimos anos, para implementar reformas e excluir clientes que não encaixam nos novos padrões rigorosos do HSBC, incluindo aqueles em que tivemos preocupações em relação ao seu cumprimento de obrigações fiscais”.
O banco acrescentou que reorientou este seu ramo de negócios. “Como resultado deste reposicionamento, o Swiss private banking HSBC reduziu a sua base de clientes em quase 70% desde 2007”.
Os bancos esconderem dinheiro em paraísos fiscais e tem enormes implicações para as sociedades em todo o mundo. Estimativas conservadores feitas por académicos apontavam, em 2015, cerca de 7.600 mil milhões de dólares encontram-se em offshores, custando cerca de 200 mil milhões de euros aos tesouros nacionais.
“A indústria offshore é uma grande ameaça para as nossas instituições democráticas e para nosso contrato social básico”, afirmou na altura o economista francês Thomas Piketty, autor de “O Capital no século XXI”: “A opacidade financeira é um dos principais motores do aumento da desigualdade no mundo inteiro. Permite que uma grande dos mais ricos e dos grandes grupos económicos paguem impostos insignificantes, enquanto nós pagamos impostos elevados, para financiar bens e serviços (educação, saúde, infra-estruturas), que são indispensáveis para o desenvolvimento”.
Os arquivos secretos obtidos – que abrangiam contas até 2007, associadas a mais de 100 mil pessoas individuais e colectivas de mais de 200 países – são uma versão a que o governo francês teve acesso e partilhou com outros governos em 2010, levando a processos ou acordos por evasão fiscal em vários países. Entre os países que receberam a documentação estavam estão EUA, Espanha, Itália, Grécia, Alemanha, Grã-Bretanha, Irlanda, Índia, Bélgica e Argentina.
Mais recentemente, em Abril de 2021, Akinwumi Adesina, presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), salientou as “incríveis oportunidades de negócio” no continente fruto da recuperação económica marcada pelo ambiente e alertou os investidores que “não podem ignorar África”. Também já disse que a corrupção “não é um problema africano”. Portanto.
Anda mais recentemente, na passada terça-feira, Presidente da República de Angola, João Lourenço, numa declaração “também” subscrita pelo Presidente do MPLA (partido no Poder há 47 anos), João Lourenço, e pelo Titular do Poder Executivo, Joao Lourenço, defendeu durante o congresso do Exim Bank, em Washington, que “África conta para a economia global” e que é “uma questão de justiça incluir o continente no seio do G20”.
A Fundação Mo Ibrahim distingue, ou critica, a boa governação em África. O magnata britânico de origem sudanesa tinha por hábito dizer as verdades, mesmo quando o mundo olha para o lado e assobia. Ele, ao contrário de outros, sabe (hoje sabe menos…) que a verdade dói mas cura. Mas, cada vez mais, os ocidentais (nomeadamente os EUA e a União Europeia) receitam aos africanos placebos doados como sendo antibióticos.
Mo Ibrahim há muitos anos que responsabilizou as “falhas monumentais dos líderes africanos após a independência”, explicando sem meias palavras (coisa cada vez mais rara) que, “quando nasceram os primeiros Estados africanos independentes, nos anos 50 do século passado, África estava melhor em termos económicos”.
Mo Ibrahim também dizia que os interesses da Europa, por exemplo, apenas podem ser duravelmente garantidos pela democracia e não pelo apoio aos ditadores. O Ocidente (EUA e UE) resolveu a questão fazendo eleger ditadores e, dessa forma, dando-lhes o rótulo de democratas.
“Se a Europa quer garantir a longo prazo os seus interesses, ela tem todo interesse em se aproximar dos povos africanos. Pensar que a conivência com os ditadores seria benéfica é um grande erro”, dizia Mo Ibrahim.
Este empresário, que fez fortuna na telefonia celular ao criar o operador CELTEL que se tornou depois ZAÏN, já há muito que qualificou de “vergonhoso e um golpe à dignidade” a contínua dependência de África em relação ao ocidente, tendo em conta os “recursos impressionantes” que abundam no continente.
“Não se justificam a fome, a ignorância e a doença que assolam África”, dizia Mo Ibrahim, para quem a solução teri de passar obrigatoriamente por “bons líderes, boas instituições e boa governação”, sem os quais “não haverá Estado de Direito, não haverá desenvolvimento”. É verdade. Mas é uma verdade que não interessa ao Ocidente para quem, desde sempre, é mais fácil e rentável negociar com ditadores do que com democratas.
Por isso recorda que “havia uma África na qual o Estado era o único proprietário dos meios de informação, na qual a única televisão pertencia ao poder, na qual toda a informação era controlada. Esta África já não existe”.
Comparando o posicionamento europeu com o norte-americano, Mo Ibrahim entendia que “os americanos escolhem geralmente muito claramente a democracia e a luta contra a corrupção na sua relação com os Estados africanos. Seria bom que os nossos amigos Europeus fizessem o mesmo”. Os europeus não só não fazem como até já convenceram os EUA também a não o fazerem.
Em relação às posições da Europa, recorde-se por ser um exemplo paradigmático, que Margaret Thatcher, que em Maio de 1979 se tornou a primeira mulher a dirigir um governo britânico, proibiu nesse ano o seu enviado especial à Rodésia de se encontrar com Robert Mugabe.
E fê-lo para defender a democracia? Para lutar contra as ditaduras? Não. O argumento, repare-se, era o de que “não se discute com terroristas antes de serem primeiros-ministros”.
“Não. Por favor, não se reúna com os dirigentes da ‘Frente Patriótica’. Nunca falei com terroristas antes deles se tornarem primeiros-ministros”, escreveu – e sublinhou várias vezes – numa carta do Foreign Office de 25 de Maio de 1979 em que o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Lord Peter Carrington, sugeria um tal encontro.
Ou seja, quando se chega a primeiro-ministro, ou presidente da República, deixa-se de ser automaticamente terrorista. Não está mal. É verdade que sempre assim foi e que sempre assim será. Angola que o diga.
Por vontade pessoal de João Lourenço, Angola vai continuar a ser um dos países que mais gasta em África em Defesa nos próximos anos, estando a Rússia e a China a perder influência a favor dos EUA.
A consultora GlobalData afirma que o orçamento de defesa de Angola deverá aumentar de 900 milhões de dólares em 2021 para 1,9 mil milhões em 2026, com uma taxa composta de crescimento anual de 3,2%, o que “mantém Angola como um dos países em África que mais gasta com a Defesa”.
“Isto resultará em gastos cumulativos de Defesa e Segurança nos próximos anos de 8,5 mil milhões de dólares, alimentados pela modernização dos seus sistemas de defesa ultrapassados e o financiamento de programas de aquisição de equipamento (“hardware”).
Harry Boneham, analista da GlobalData, diz que “aumentos na segurança de fronteiras, a vulnerabilidade de infra-estruturas essenciais e geopolíticas regionais estão a actuar como impulsionador no crescimento dos gastos de Defesa em Angola”.
Para além disso, a costa marítima de 1.600 quilómetros “permanece susceptível a ataques de piratas”, e assegura que a dependência de Angola “em armas continuará no próximo futuro”.
No período entre 2015 e 2019, 68,3 por cento das importações de armas foram de origem russa e Angola estava dependente de Moscovo para equipamento de grande envergadura “como os aviões de combate Sukhoi Su-30MKI.
Embora a relação entre Angola e a Rússia seja de longa data, a crescente influência da China em África pôs em causa essa dinâmica. Entretanto, agora chegou a vez dos EUA ajudar o MPLA a continuar pôr em prática o seu ADN bélico, colocando a razão da força acima da força da razão.